Uma distopia liberal: Bolívia, a guerra da água

Bolívia, a guerra da água. Direção, roteiro e entrevista: Carlos Pronzato. Edição: Victor Almeida. Música: Bernabé Guzmán Dávalos. Locução: Ramiro Angulo. 40min. 2007, Cochabamba - Bolívia.

    O documentário "Bolívia, a guerra da água" foi dirigido e produzido pelo cineasta, escritor e ativista social argentino Carlos Pronzato. Tendo por objetivo mostrar o que foi, como foi e as consequências ocorridas com os protestos e conflitos entre a população e o governo durante os meses de janeiro e abril do ano 2000 em  Cochabamba, a terceira maior cidade (com cerca de um milhão de habitantes) da Bolívia, que a mais de cinquenta anos sofria com a escassez de água. Também conhecida como "A guerra da água de Cochabamba" foi um dos movimentos de insatisfação popular sul-americano contra a onda de privatizações neoliberais do fim do século passado.

    Ocorrera que o governo Boliviano pretendia privatizar todas as estatais de distribuição de água do país, começando por Cochabamba. O projeto foi duramente cobrado pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional com ameaças de não fazerem empréstimos ao país caso não privatizasse as estatais. Para muitos, a privatização era um plano duvidoso que buscava atender aos interesses econômicos das empresas, sem se preocuparem com a população, uma vez que não houve consulta popular. Marcada pela articulação e mobilização social, cerca de seiscentas mil pessoas entre homens, mulheres e jovens foram às ruas protestarem contra a vinda da empresa Aguas del Tunari, filiada da multinacional estadunidense Bethel - uma das mais ricas do mundo. De fato o movimento foi justificável, a Aguas del Tunari além de aumentar, e muito , o preço da água, queria cobrar também a água da chuva, era uma verdadeira usurpação.

    A proposta do governo Boliviano foi um desrespeito ao direito da população, não apenas pelo menosprezo à opinião popular, mas também pelo descumprimento de um direito que está exposto na Declaração Universal dos Direitos da Água, elabora do pela Organização das Nações Unidas em 1992. No primeiro artigo da Declaração está exposto que a água não possui nenhum proprietário, ela é de todos, universal. Embora o sexto artigo diga que a água não é um bem gratuito, mas possui valor econômico, não há nenhum embasamento para apropriá-la, torná-la privada ou particular. Pelo contrário, em seu décimo e último artigo a Declaração é clara ao dizer que a água deve ser gerenciada com inteligência e solidariedade, usada com racionalidade, uma vez que é um recurso finito e escassa em certas regiões do planeta.

    A partir disto os conflitos entre civis e militares do governo se intensificaram, as ruas se transformam em palcos de guerra. Armas de fogo, bombas de gás, tudo foi usado pelas forças contra os manifestantes. Os conflitos foram tão impactantes que fizeram com que no dia 08 de abril, o então presidente Hugo Banger decretasse estado de sítio. Muitos protestantes foram presos, outros agredidos, rádios foram fechadas e grupos foram tidos como clandestinos. Os protestos e conflitos perduraram por quatro meses, até que no dia 20 de abril o governo cedeu às manifestações e desistiu da privatização, revogando a lei e devolvendo à prefeitura de Cochabamba a responsabilidade de distribuição da água.

    No entanto as consequências dos conflitos foram muito tristes, cerca de 6 pessoas morreram. A morte mais chocante e que é mostrada no filme, foi a morte do jovem Vitor Dazo, de grande comoção nacional. Ademais, segundo Oscar Oliveira (entrevistado por Pronzato e), líder da Coordenação de Defesa da Água e da Vida (um grupo de resistência ao projeto de privatização do governo) cerca de 300 pessoas ficaram feridas em todo o período de protestos. O documentário nos faz pensar que os movimentos populares, bem como a união da população em prol de uma causa são fundamentais, seja para a defesa de direitos que estejam sendo ameaçados, bem como para reivindicá-los sua efetivação.

    Certamente se os cochabambinos se acomodassem, a privatização seria realizada e a população sofreria com os abusos econômicos impostos. Penso também que em excepcionais casos a indignação, a manifestação, a resistência, isto é, o confronto (salientando ser totalmente contrário a qualquer tipo de violência ou conflito) com governos são necessários. Uma vez que há violação de direitos e garantias da população, ela é obrigada a agir. No caso de Cochabamba o confronto fora inevitável.

    Assim como em outros períodos da História, o documentário de Pronzato é uma homenagem a Cochabamba, bem como às vítimas do conflito. Ele aborda o assunto de modo integral, mostrando todo o contexto político, social e econômico do país. O filme é uma ótima ferramenta para tornar conhecida esta história, pois acredito que pouquíssimas pessoas conhecem esse fato. Sobretudo, o filme é uma ótima ferramenta de iniciar uma discussão a despeito da privatização desenfreada, da participação do indivíduo na sociedade, bem como o papel do estado na defesa e promoção dos direitos das populações. O que ocorreu em Cochabamba nos ensina que o egoísmo e a ganância somente prejudica e causa dores e tristezas a muitas pessoas.


Veja o documentário completo:



REFERÊNCIAS: 

Declaração Universal dos Direitos da Água. ONUDisponível em: <https://www.pucsp.br/ecopolitica/documentos/seguranca/docs/declaracao_direitos_agua_onu.pdf> Acesso em: 28/02/2020, 11h e 21 min.

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