As pandemias que nos perseguem e assolam

         Hoje no dia em que escrevo estas reflexões o mundo contabiliza 30.214.496 milhões de casos e 946.665 mil mortes por COVID-19 segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC). Também segundo o ECDC, o nosso país possui 4.455.386 milhões de casos confirmados e infelizmente cerca de 134.935 mil vítimas fatais.


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Distribuição geográfica do número cumulativo de 14 dias de casos de  COVID-19 relatados por 100 mil habitantes, em todo o mundo. Dados de 18 de set. de 2020.
Fonte: ECDC.


        Quando a maior pandemia dos últimos cem anos chegou ao Brasil no fim de fevereiro do presente ano, acredito que eu e mais ninguém imaginava nas proporções que os impactos causados pelo vírus Sars-cov-2 (novo coronavírus) trouxe-se  ao nosso país e a todo o planeta. Estamos vivenciando um momento histórico. Momento este em que o contexto da pandemia evidenciou e alargou as desigualdades, e entre outras coisas, nos ensinou lições valiosas e salutares.

        Desse modo, digo que a pandemia do novo coronavírus é mais uma em meio a muitas outras. Saliento, a pandemia atual patenteou, escancarou e além disto aprofundou as "pandemias" que a muito tempo persistem no Brasil e no mundo: fome, pobreza, desigualdades, entre outras.

        Se o Brasil e mundo já eram contraditoriamente desiguais, percebe-se que a atual pandemia do coronavírus acentuou ainda mais as pobrezas globais. Muito antes da pandemia os escritores Ravi Kanbur e Andy Sumner - em artigo de 2011,  já haviam dito que o mundo vivia em uma nova geografia da pobreza global:

"Em 1990, 93% dos pobres do mundo viviam em países de baixa renda (PBR). Agora, mais de 70% - até um bilhão das pessoas mais pobres do mundo ou um "novo bilhão inferior" - vivem em países de renda média (MICs) e a maioria deles em países de renda média estáveis ​​e não frágeis [...]" (Kanbur e Sumner, 2011).

         Caracterizada pela multidimensionalidade da pobreza e desigualdade ( - isto é, desigualdade não se limita a renda, mas compreende saúde, educação, oportunidades, gênero etc.) a nova distribuição das desigualdades no mundo se vê , em especial, nos países emergentes ou subdesenvolvidos como países de África, América latina, Índia, China e restante da Ásia. Emboras as desigualdades se encontram nesses países, não podemos afirmar que nos países super ricos ou desenvolvidos não encontramos pessoas pobres ou abaixo da pobreza, evidentemente, a riqueza das nações não significa cidadãos ricos.

        São, infelizmente, um bom exemplo da acentuação das desigualdades no mundo os países componentes do BRICS (sigla para designar a união de cooperação econômica para o desenvolvimento entre países emergentes - sendo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, respectivamente). Numa interessante e recente série de reportagens do jornal virtual Outras palavras sobre a situação dos BRICS no contexto da pandemia os autores afirmam que as profundas pobrezas perdurantes nesses países estão se ampliando, fora as falhas políticas e econômicas internas. E trazem um dado interessante, exatamente na Rússia, na Índia e na África do Sul 10% dos mais ricos detêm, respectivamente, 77%, 77% e 85,6% de toda a riqueza produzida em seus países.


"O que esses números revelam é que, nos países do BRICS, um grande número de pessoa está relegada às margens dos atuais processos de crescimento, como resultado da falta de acesso a meios de subsistência seguros e decentes, ausência de proteção social básica e serviços públicos essenciais, e exclusão dos processos políticos estabelecidos" (Nilsen e Holòt, 2020).

 


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Fonte: Outras Palavras.
Respectivamente vemos imagens de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

        Na América Latina e Caribe as desigualdades e a concentração de renda se tornam mais evidentes, segundo estudos da OXFAM divulgados no portal G1 em 27 de julho, entre os dias 13 de março a 12 de julho de 2020 o patrimônio dos 73 bilionários aumentaram 48,2 bilhões de dólares. Junto a isso no Brasil a riqueza dos 42 bilionários brasileiros saltou de R$ 629 bilhões de reais (US$ 123,1 bilhões de dólares) para cerca de R$ 839,4 bilhões de reais (US$ 157,1 bilhões de dólares), um aumento de R$ 177 bilhões de reais ou US$ 34 bilhões de dólares.



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Fonte: G1


        Isso soma-se ainda ao aumento da fome e do desemprego. A OXFAM estima que até o fim deste ano a fome aumentará em 82% em relação a 2019, isto é, cerca de 270 milhões de pessoas se somarão aos famintos no mundo, milhares de pessoas morrerão até o fim de 2020, infelizmente a incidência será maior em países da Ásia, África, Haiti e Venezuela.

        Em relação ao desemprego, no Brasil são patentes os efeitos decorrentes da pandemia. Particularmente, conheço diversas pessoas  (a exemplo colegas universitários, vizinhos, etc.) que perderam seus empregos. A pior situação são daqueles que tinham trabalho informal, pois com o isolamento social (necessário) viram sua fonte de renda reduzirem quase que total. A taxa de desemprego no primeiro semestre - período do início da pandemia até junho, ficou em cerca de 13,3%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE - PNAD Cotínua). Agora soma-se a tudo isso o grupo de pessoa que não buscam emprego, mas gostariam de estar trabalhando - os chamados desalentados, cerca de 5,7 milhões de pessoas. Na pandemia 913 mil pessoas se somaram aos desalentados.

    
    













                                                                                                                                                                         Imagens 4 e 5. Fonte: Perfil oficial do IBGE no instragram



        É lamentável, pois a exatos um dia antes da publicação deste texto (ontem, quinta - feira 17) soma-se a isso os dados divulgados pelo IBGE numa pesquisa feita entre julho de 2017 a junho de 2018. Cerca de 10,3% da população brasileira vive em lares onde os moradores não possuem plena ou suficiente alimentação.  A questão é que houve um retrocesso em comparação aos anos de 2009 e 2013, em que os número vinham abaixando. Entre 2013 a 2018 houve um aumento de cerca de três milhões de inseguros alimentar. Confira mais no infográfico:


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Mapa da fome no Barsil
Fonte: G1




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Mapa da fome no Barsil
Fonte: G1


        Estão fora da pesquisa moradores de rua por exemplo, aliás essa é outra população muito atingida pela pandemia do coronavirus, se contada aumentaria muito mais os dados, especialmente em São Paulo, como se viu no infográfico acima possui a maior quantidade de famintos. Destaco também a porcentagem de inseguros alimentar na regiões rurais e a situação da região Nordeste e Norte. 

        Não posso me esquecer da situação das mulheres, a pesquisa mostrou que 51,9% dos lares eram chefiadas por mulheres, e a taxa de insegurança alimentar é alta, assim como a tendência de alto número de moradores. Disso, chamo a atenção também para o alto número de violência contra as mulheres registrado na pandemia - especialmente entre os meses de março a junho, em que houve aumento de 35% de casos.

        A atual pandemia causada pelo novo coronavirus soma-se às perdurantes e históricas "pandemias" do mundo, não apenas do Brasil. A falácia de que estamos 'todos no mesmo barco' não se sustenta; porém o mais correto é dizer que sim, estamos todos no 'mesmo mar', mas em 'barcos' totalmente diversos, isto é, possuímos condições diferentes. A atual pandemia não é igual para todos, nem mesmo os riscos de contaminação.

        A principal lição que considero "benéfica'" da pandemia é a retificação pessoal e coletiva que tivemos, isto é, a confirmação de que precisamos uns dos outros; não é possível viver só, sem auxílio, sem participação etc. Isso aplico a tudo, principalmente em questões sociais e coletivas. Se queremos a redução das desigualdades e uma sociedade mais democrática - democrática além das formalidades, mas uma democracia substancial, efetiva, onde os direitos sociais, políticos, jurídicos e civis sejam em verdade efetivados -, é preciso um novo pacto político e social. A pandemia revelou que no futuro será necessário um novo modo de pensar na sociedade (a classe política) e como nela viver (nós).

        Estamos no início do século  e muitas transformações irão acontecer nas sociedades do mundo. Temos que estar vigilantes, sermos mais participativos, etc. Disto não me excluo. Aliás, não precisamos ir além de nosso bairro para vermos a realidade advinda e agravada com a pandemia. Infelizmente o Brasil e o mundo sairão mais desiguais da atual pandemia. Basta abrirmos nossas janelas e vermos o que há e ocorre ao nosso redor. É tempo para conhecer, agir e esperançar em vista de um Brasil mais justo e igualitário. A mudança começa em nosso território local.

        Por fim, expresso minha solidariedade a todas as vítimas do vírus e àqueles que de alguma forma foram pela pandemia impactados, às vítimas não fatais, e porém sobretudos às VIDAS que já conosco não habitam, aos mais de 135 mil que já foram e aos que provavelmente irão, que sejam tidas como inumeráveis.

    


REFERÊNCIAS:

Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC). Situação da covid-19 em todo o mundo, em 18 de setembro de 2020. Disponível em: <https://www.ecdc.europa.eu/en/geographical-distribution-2019-ncov-cases> Acesso em: 18/09/2020, 10:45 min.

BATISTA, Vera. Taxa de desemprego sobe a 13,3% no trimestre até junho, diz IBGE. Correio Braziliense, 06/08/2020. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/08/06/internas_economia,878933/taxa-de-desemprego-sobe-a-13-3-no-trimestre-ate-junho-diz-ibge.shtml#:~:text=Com%20os%20efeitos%20da%20pandemia,Domic%C3%ADlios%20Cont%C3%ADnua%20(Pnad%20Cont%C3%ADnua)%2C> Acesso em: 17/09/2020.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Perfil oficial Instagram. Publicado em 17 de set. de 2020. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/CFQHGZYpfm-/> Acesso em: 18/09/2020, 11:10 min.

Inumeráveis - memorial dedicado à história de cada vítima do coronavírus no Brasil. Disponível em: <https://inumeraveis.com.br/> Acesso em: 17/09/2020.

KANBUR, Ravi. SUMNER, Andy. Países pobres ou pessoas pobres? Assistência ao desenvolvimento e a nova Geografia da pobreza global. VOXEU, 08 de nov. de 2011. Disponível em: <https://voxeu.org/article/poor-countries-or-poor-people-new-geography-global-poverty> Acesso em: 16/09/2020.

NILSEN, Alf. HOLÒT, Karl. Os BRICS face à pandemia: que futuros virão? Outras Palavras, 18/08/2020. Disponível em: <https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/os-brics-face-a-pandemia-que-futuros-virao/> Acesso em: 16/09/2020.

O vírus da fome: como o coronavirus está aumentando a fome no mundo? OXFAM Brasil, 08 de jul. de 2020. Disponível em: <https://www.oxfam.org.br/especiais/virus-da-fome/#:~:text=At%C3%A9%2012%20mil%20pessoas%20podem,que%20pela%20doen%C3%A7a%20em%20si.&text=O%20documento%20revela%20como%20122,e%20econ%C3%B4micos%20causados%20pela%20pandemia.> Acesso em:17/09/2020.

Patrimônio dos super-ricos brasileiros cresce US$ 34 bilhões durante a pandemia, diz Oxfam. G1, 27 de jul. de 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/07/27/patrimonio-dos-super-ricos-brasileiros-cresce-us-34-bilhoes-durante-a-pandemia-diz-oxfam.ghtml> Acesso em: 16/09/2020.

SILVEIRA, Daniel. Fome no Brasil: em 5 anos cresce em três milhões o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, diz IBGE. G1, Rio de Janeiro, 17/09/2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/09/17/fome-no-brasil-em-5-anos-cresce-em-3-milhoes-o-no-de-pessoas-em-situacao-de-inseguranca-alimentar-grave-diz-ibge.ghtml> Acesso em: 17/09/2020.

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