Pandemia ontem, hoje e amanhã: o papel da universidade no território
A universidade é necessária em uma sociedade que busca o seu progresso e seu desenvolvimento integral. A instituição universitária é secular e ao longo desses séculos houveram diversos momento de transformações. A universidade como a conhecemos hoje surgiu no Brasil no início do século XX e constitucionalmente hoje possui como princípios a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão patrimonial e financeira, bem como é caracterizada pelos princípios indissociáveis entre ensino, pesquisa e extensão (art. 207, CF de 1988).
Penso que a atual pandemia do coronavírus patenteou as pandemias que "ontem" já existiam, isto é, as múltiplas desigualdades, a pobreza e a fome historicamente perdurantes no contexto mundial, nacional e local. A pandemia presente mostrou que o futuro não será o mesmo. O "amanhã" pós pandemia exigirá um novo modo de pensar na sociedade e nela agir. Aí se inclui o importante papel da universidade no território onde está inserida. De igual modo penso que no atual contexto a universidade também terá que ter atitudes diferentes para lidar com o futuro.
Comparo a universidade a um "braço" que auxilia a sociedade - a qual a sociedade é o corpo e a universidade dela faz parte. E como membro e parte da sociedade penso que a universidade também terá que ter atitudes para lidar com o futuro pós pandemias do Covid-19.
A universidade pensada pelos escritores Boaventura de Souza Santos e Naomar Almeida Filho no livro A Universidade no século XXI: para uma universidade nova (2008) em que discutem uma ampla reforma na arquitetura acadêmica do ensino superior do presente século baseado na interdisciplinaridade e/ou na transdisciplinaridade no contexto dos atuais modelos de universidade no mundo e no Brasil dialoga perfeitamente com um recente artigo intitulado O século XXI começa nesta pandemia (2020), da historiadora paulista Lilia Schwarcz.
Naomar e Boaventura especialmente no primeiro capitulo do livro discutem três crises presentes na universidade atual: a crise hegemônica; a crise de legitimidade; e a crise institucional pelas quais as universidades passam e dão caminhos para o enfrentamento. Já em seu artigo Schwarcz analisa a atual crise do coronavírus no Brasil e no mundo a argumentar que o século XXI está começando de fato agora, pós pandemia; ou seja, que um pequeno microrganismo foi capaz de parar o mundo, e que a tão creditada tecnologia humana não foi capaz de detê-lo.
Nas duas obras, portanto, mesmo que sejam temáticas e tempo distantes os autores expõem suas ideias acerca dos acontecimentos do presente século e o que é preciso fazer para superá-los. Em suma os dois pensamentos se cruzam quando pensam em um novo modo de pensar o futuro. O primeiro pensa em um futuro de uma "nova universidade", e o segundo pensa em um futuro posterior a atual pandemia, em que o século XXI começa agora, em que o mundo e as sociedade precisam rever seus conceitos, valores e prioridades. Foço esse paralelo entre os pensamentos para afirmar que é urgentemente necessário então pensar em um futuro pós pandemias.
De igual modo as universidades como produtoras de ciência e formação humana não estão excluídas do processo. Não obstante possuem um importante papel neste processo em visa ao ''século XXI''. Pois como disse a universidade é um braço e um vetor para o desenvolvimento e progresso social e humano. As ferramentas creio que ela já possui, a tríade ensino-pesquisa-extensão. Indissociáveis, os componentes da tríade são essenciais não só para a formação do estudante - o ensino e a pesquisa -, mas sobretudo para benefício da comunidade local através da extensão e pesquisa.
Nestas reflexões será por mim inevitável o uso do exemplo da universidade a qual mais conheço e estou integrado, da qual em verdade faço parte. A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) completou sete anos de criação neste mesmo ano (lei 12.818 de 05/06/2013). Multicampi, a UFSB se destaca pela sua inovação curricular (baseada em Boaventura e entre outros autores) em ciclos de formação e mobilidade acadêmica, etc. Em verdade ela foi pensada para ser uma "universidade nova". Todavia destacarei o papel da Universidade na região sul do estado Baiano, em especial a região cacaueira onde está a minha querida cidade Ibicaraí.
Destaco a grandíssima importância dos CUNI (Colégios Universitários) locado em cidades próximas aos três campus. É uma rede instalada em escolas de ensino médio que visa a integração social e regional, bem como a aproximação com os egressos do ensino básico, etc. Em Ibicaraí possuímos um CUNI da Universidade, o qual é ligado ao campus Jorge Amado - sede da UFSB em Itabuna.
Com população estimada de 21.378 habitantes (para 2020, IBGE), Ibicaraí foi grandemente afetada pela pandemia do novo coronavírus. Se pensarmos no número de habitantes em comparação com o número de infectados e sobretudo o total de mortos veremos que a situação não é animadora, 781 casos e 23 óbitos. Além do centro da cidade foi grandemente impactada a população periférica. Veja mais no infográfico abaixo atualizado no dia que publico esta postagem:
Infográfico 1 - Boletim coronavírus.
Casos de Covid-19 por localidade em Ibicaraí, 26/09/20, 14h.
Fonte: Prefeitura Municipal.
Noto que o bairro onde moro (Corina Batista) é um dos que possui maiores números de casos confirmados (97), e infelizmente 3 óbitos; todavia 87 curados e uma pessoa ainda com o vírus ativo. Em relação ao sistema de saúde local não houveram crises ou saturação. Os pacientes mais graves eram internados em UTIs dos hospitais públicos de Itabuna ou Ilhéus. Continuemos nos cuidando e cuidando do outro. Pois noto em meu município que há pessoas sem o uso de máscara e não respeitando o distanciamento social e nem as normas de segurança, pelo contrario, a pandemia não acabou, e penso que só acabará com uma vacina.
Felizmente a UFSB durante todo o período do início da pandemia até hoje, tem a cada sete dias publicado em sua página na internet boletins acerca da situação das cidade onde possui campus e CUNIs. Veja os gráficos sobre Ibicaraí da curva de casos e mortes na cidade contidos no mais recente boletim, o 26°:
Gráfico 1 - Curva de Casos em Ibicaraí - até 18 de setembro.
Fonte: BAHIA/SESAB/DIVEP - Boletim Epidemiológico COVID-19. Comitê emergencial UFSB.
Gráfico 2 - Curva de óbitos em Ibicaraí - até 18 de setembro.
Fonte: BAHIA/SESAB/DIVEP - Boletim Epidemiológico COVID-19. Comitê emergencial UFSB.
Entre outras coisas, em nosso território sul a Universidade tem realizado campanhas de arrecadação de valores para ajudar famílias vulneráveis da região, bem como mantêm durante a pandemia seus projetos de extensão e pesquisa, etc. Para saber mais visite o site da instituição, em especial a página "UFSB Ciência". Por exemplo está lá informações sobre as ações da universidade no período do derramamento de óleo entre agosto e novembro do ano passado. Também as ações da Universidade para minimizar a degradação do rio Cachoeira em Itabuna, da faz parte de um grupo de instituições que realiza mutirões e plantios. Percebo que a Universidade possui uma grande importância para a região. O que ela já fez e está a fazer não dá para falar só em um texto.
De todo modo o papel das universidades, assim como o papel da UFSB em especial no nosso território terá que estar mais próximo da comunidade local. Como diria Boaventura a 'universidade' que conhecemos hoje terá que se tornar 'pluriversidade'. Decerto a universidade possui limites como financeiros, de pessoal, etc. Mas quando a sociedade e em especial o governo a valoriza e defende se torna mais fácil e eficiente a integração entre a universidade e a sociedade.
Certamente para todos nós o contexto planetário, nacional e local será muito desafiador. As universidades já possuíam um importante papel. Agora no pós pandemia a universidade se tornará muito mais necessária, seja no ensino, porém muito mais na pesquisa (produção de ciência) e sobretudo na extensão, visto que é na extensão que a universidade se torna cada vez mais próxima da sociedade e vice-versa e com ela cria ou aprofunda o que é muito mais necessário hoje: conhecimento, integração, ciência, justiça social e desenvolvimento integral do humano e da sociedade. Uma vez que o século começa agora é hora de se pensar em um modo de viver e pensar na sociedade, assim como também de se pensar no futuro ou em um novo modo de se pensar e fazer a universidade.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA FILHO, Naomar. SANTOS, Boaventura Souza. A universidade no século XXI: para uma universidade nova. Coimbra: Almedina; 2008.
Boletim Coronavírus - 26 de setembro de 2020, 14:00 horas. Prefeitura Municipal de Ibicaraí. Disponível em:<https://www.ibicarai.ba.gov.br/> Acesso em: 26/09/2020, 14:19min.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília, DF. Presidência da República. Artigo 207. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 25/09/2020.
CARVALHO, Malu. Campanha UFSB solidária na luta contra o coronavírus. Universidade Federal do Sul da Bahia. Publicado em 29 de junho de 2020. Disponível em: <https://ufsb.edu.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2449> Acesso em: 26/09/2020.
IBICARAÍ. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/ibicarai/panorama> Acesso em: 26/09/2020.
MARIANE, Paula. O século XXI começa nesta pandemia, diz Lilia Schwarcz. CNN Brasil. São Paulo, 04 de julho de 2020. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/07/04/o-seculo-21-comeca-nesta-pandemia-analisa-a-historiadora-lilia-schwarcz> Acesso em: 25/09/2020.
NAZÀRIO, Heleno Rocha. Comitê emergencial avalia situação no 26° boletim semanal sobre o novo coronavírus no sul da Bahia. Universidade Federal do Sul da Bahia. Publicado em 23 de set. de 2020. <https://www.ufsb.edu.br/ultimas-noticias/328-covid-19/2622-comite-emergencial-avalia-situacao-no-26-boletim-semanal-sobre-novo-coronavirus-no-sul-da-bahia> Acesso em:26/0/2020.
SANTOS, Boaventura Souza. Da universidade à pluriversidade: Reflexões sobre o presente e o futuro do ensino superior. Entreviste com Boaventura Santos. Entrevistadores: Manuela Guilherme e Gunther Dietz. Revista Lusófona de Educação, 31, 201-212. 2015. Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/viewFile/5388/3408> Acesso em: 26/09/2020.
UFSB Ciência. Disponível em: <https://www.ufsb.edu.br/ufsb-ciencia> Acesso em: 26/09/2020.
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