Ignorância: nossa condição humana
PLATÃO. Livro VII. p. 319-357. In.: PLATÃO. A República. Tradução de Carlos Alberto Nunes. EDUFPA: Belém, PA. 3° edição, 2000, 470 páginas.
Estude, pois conhecimento é poder; estude, porque não o tiraram de você; estude porque o saber o torna melhor… estude porque o conhecimento liberta. Certamente todo jovem já ouviu essas máximas disseminadas pelos mais vividos, principalmente pelos nossos pais e avós. Ocorre que esse ensinamento é tão filosófico quanto verdadeiro na realidade. E quem concorda comigo não é qualquer ser humano, mas sim um dos maiores e influentes pensadores da história da filosofia ociedental: Arístocles de Atenas, mais conhecido como Platão.
De Platão (428 - 347 a.C), claro, você já ouviu falar. Ateniense oriundo de família rica, além de filósofo e matemático, foi discípulo de Sócrates. O que importa na verdade, é sua contribuição contida em sua obra “A República” (370 a.C), cuja finalidade de todo o escrito é discutir sobretudo o conceito de justiça. Entretanto, durante sua obra Platão discorre sobre outros assuntos que, no fim, fundamentam a discussão principal. Desse modo, ao chegarmos na sétima parte (livro VII) deparamo-nos com um diálogo sobre política e epistemologia - a natureza, objetivos e limites do conhecimento humano.
Trata-se de um forte e rico diálogo entre Sócrates - mestre de Platão e principal ator do diálogo, e Glauco - considerado irmão de Platão, em que há a narração de uma parábola correntemente nominada de Alegoria ou Mito da Caverna. A depender da edição e principalmente da tradução que você leia, pode encontrar algumas dificuldades em relação a eventuais termos e sintaxe. Todavia, diferente de outras edições de “A República”, a tradução de Carlos Alberto Nunes (2000) - texto fonte desta resenha, é a que mais me agradou. Ao mesmo tempo em que se utiliza de uma linguagem primorosa, mantém uma fluidez que não dificulta a leitura e o entendimento. Ainda que possa haver traduções ou adaptações melhores, desconheço. Interessa mesmo é que o texto mantenha a essência e o propósito original.
Platão, por sua vez, ouso-me a dizer que possui uma ótima construção de falas, argumentos e coesão de ideias, embora não concorde com toda sua filosofia, é inquestionável sua inteligência e juízo. Isto posto, seu objetivo no livro VII é argumentar acerca da hierarquia do conhecimento. O filósofo se utiliza da alegoria para fundamentar e elucidar sua dialética, a existência de duas realidades: a realidade sensível - atingida pelos sentidos; e a realidade inteligível - alcançada pela razão, mediante o debate de ideias (dialética).
Conforme se entende na leitura do mito, um grupo de pessoas está preso no fundo de uma caverna acorrentados os pés e as mãos, sempre estiveram lá e nunca viram o ambiente externo. A posição dessas pessoas só os permite enxergar o que aparece em suas frentes, na parede do fundo. Os prisioneiros estão acorrentados numa outra parede baixa. Atrás dessa baixa parede existe uma fogueira que emite sombras na parede do fundo vista pelos acorrentados. Para eles, as sombras vistas são a única realidade. As sombras projetadas são silhuetas de objetos que são carregados por outras pessoas, que, ao passarem em frente à fogueira, emitem as sombras. A fogueira e nem as pessoas com os utensílios são perceptíveis para os prisioneiros devido à baixa parede atrás a qual estão presos nela pelas costas.
Ocorre que, extraordinariamente, um dos aprisionados consegue se libertar dos grilhões e sair da caverna para o exterior, onde pela primeira vez vê a luz solar, a natureza e sua diversidade. Estupefato com tudo que viu, se lembra dos companheiros que na caverna ficaram, então, decide regressar à caverna para alertá-los da verdade e libertá-los do cativeiro. Entretanto, seus velhos parceiros de prisão não acreditam em suas palavras, considerando-o louco.
Confesso que fico com os dedos inquietos para clicar nas teclas do aparelho pelo qual escrevo estas letras e esmiuçar as entrelinhas da alegoria e o significado de cada elemento, bem como a continuação da história, que não acaba no regresso. Todavia, penso que se fizer isso não instigará em você, caro leitor, a vontade em ler a parte da obra aqui tratada. Contudo, é preciso ter em mente que Platão viveu num período de crise da democracia ateniense e também era uma época de incentivo à educação. Para tudo se buscava uma razão ou origem. Desse modo, a alegoria da caverna simboliza os níveis, graus ou etapas do conhecimento: trata-se da educação para a filosofia.
O ato de sair da caverna representa a saída das aparências, da ilusão, da realidade sensível, das opiniões e crenças infundadas (doxa) para um nível superior do conhecimento, a realidade inteligível. A dialética permite ao humano lograr a realidade inteligível, que é o conhecimento verdadeiro, matemático, filosófico, racional e científico (episteme). Após sair da ignorância e descobrir a realidade real, o agora filósofo deve voltar àqueles que estão na caverna (ignorantes) e orientá-los para a mesma evolução.
Com efeito, para Platão os filósofos é quem deveriam guiar a sociedade. Por isso ele argumenta que os filósofos é quem deveriam assumir a administração das cidades, o melhor governo. No governo dos sábios o alcance da cidade e do governo justo, isto é, o alcance da justiça e da virtude se torna mais próximo. Para Platão, isto somente é possível unicamente através do conhecimento e de seu progresso. Lendo o mito, parece que a busca pelo saber é como uma forte luz (Sol) que emitindo seus raios estimula a racionalidade, nos desperta para a dúvida e nos separa do comodismo. A missão do filósofo e da Filosofia semelha-se a uma doula que ajuda no nascimento/descoberta do saber, a dialética é o meio.
A obra “A República” de Platão, em especial a parte VII de que se trata
esta resenha torna-se ainda mais especial, pois é um dos escritos fundamentais
quando se trata de filosofia. Se vê o porquê de sua preciosidade justamente
pela sua construção lógica dos diálogos e boa argumentação de ideias. O conjunto
da obra é bastante rico e inquieta o intelecto. A alegoria como ferramenta
argumentativa é um ótimo recurso para explicar uma tese, e esse recurso
foi bem explorado pelo autor, tanto
nesta como em outras partes do escrito.
Recomendo a leitura da VII parte da obra - como também sua leitura total - especialmente às pessoas que já possuem um conhecimento básico de Filosofia, bem como àqueles que estão se aprofundando em assuntos relativos à verdade, aos valores, e claro, à epistemologia ou à biografia de Platão. Por outro lado, se você procura uma leitura introdutória à Filosofia, não recomendo. Embora pareça simples, para entendimento da obra requer, ainda que pouco, conhecimentos prévios. Todavia, para quem se interessou é bom atentar-se também às falas de Glauco, ele parece alguém interessado e aberto ao diálogo: questionava, buscava responder, etc. Portanto, o texto se apresenta e se concretiza numa bela obra filosófica. Nos instiga a revisar toda antifilosofia existente que entulha nosso mundo.
Assim como Platão que pregava a razão, o conhecimento e a filosofia como único meio de alcançar a suprema verdade e realidade (a perfeição, o belo), quando nossos pais nos exorta sobre o estudo e a busca pelo saber não fazem diferente do filósofo grego, só há a diferença de milhares de anos e de fundamentação das ideias. O que pretendo dizer com tudo é que sempre, sempre e em geral, o conhecimento e a sua busca foram valorizados e recomendados. Temos que nos livrar de nossa condição ignorante através do pensamento crítico e reflexivo. Não a crítica irrefletida ou tola, mas embasada na razão e epistemologicamente válida. Há sempre tempo para o conhecimento. Basta querermos e sairmos da caverna, já diziam nossos pais.
Comentários
Postar um comentário