Interseccionalidade: presente!

 
Ilustração. Fonte: Glamour/Reprodução.


    Nesta última terça-feira, noite de 27 de julho, ocorreu no componente curricular Relações Sociais e Políticas na Contemporaneidade - ofertado pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) de modo remoto devido a pandemia do novo coronavirus, o debate de um tema importantíssimo, e já adianto, que deve ser amplamente discutido e conhecido pela sociedade atual: a interseccionalidade. Confesso que este era um assunto novíssimo para mim, nunca antes li nada sobre ou estudei o assunto. Bom... como sempre digo, há sempre tempo para o conhecimento. Conhecer nos faz bem.


    Como referência de leitura nos foi orientado pelo professor a leitura de textos, além de assistir a um vídeo. Desse modo, o tema da interseccionalidade me foi primeiramente apresentado ao ler o ensaio "Feminismo Negro e Interseccionalidade de Raça, Gênero e Classe" (2017) (imagem 1) das professoras e pesquisadoras Eunice Lea De Moraes e Lucia Isabel Conceição da Silva. Em síntese, o texto das autoras se trata de uma introdução à intersecionalidade. Além de um breve histórico, o texto perpassa pelo conceito principal (o que é a interseccionalidade), aborda pensadoras negras do Brasil e dos Estados Unidos fundamentais para compreensão do debate da interseccionalidade, em especial a condição das mulheres negras e periféricas.


        Imagem 1: Capa do Dossiê "Interfaces entre raça, gênero e classe social". 2017. Foto: UERJ.

    Segundo o texto, portanto, a interseccionalidade tem a ver com a unificação, intersecção, união ou inter-relação mútua entre diferentes causas ou minorias sociais que possuem uma raiz de opressão e/ou dominação social comuns como o sexismo, o patriarcalismo, o racismo, a homofobia, o preconceito religioso etc. todos estruturados socialmente. Em outras palavras, a interseccionalidade une as lutas contra as desigualdades e preconceitose discriminção de etnia, sexo e gênero, classe, religião, etc. abrigando os homens e em especial as mulheres pretas e pardas. Protagonizado pela luta de feministas negras, a interseccionalidade é um movimento social e político pela luta a favor dos direitos e contra qualquer forma de opressão. A interseccionalidade não substitui outras causas ou movimentos, mas os une, fortifica, amplia.

"A interseccionalidade visa dar instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado – produtores de avenidas identitárias em que mulheres negras são repetidas vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição de gênero, raça e classe, modernos aparatos coloniais" (AKOTIRENE, 2019, p. 14). 
 
    Para melhor ilustrar o que é a interseccionalidade, darei um exemplo. Relutei em abordar este assunto por ser deplorável, mas penso necessário refletir sobre ele: o homicídio da vereadora Marielle Franco. Assassinada em março de 2018, Marielle Franco (1979-2018) foi socióloga e também vereadora (PSOL) pelo Rio de Janeiro. Por ser mulher, lésbica, negra e periférica, ela é um bom exemplo do que é a interseccionalidade. Percebe-se a união de três conjuntos: o gênero (mulher lésbica), a etnia (negra) e a classe social (periférica). Compreendeu melhor o conceito? É sabido sua luta na defesa de minorias e contra os preconceitos e discriminações sociais, justamente o que pretende a interseccionalidade. Somado tudo á sua atividade como vereadora, e a discriminação às muljéres na política, é imaginável as pressões e dificuldades possíveis que enfrentou.

    É a partir da década de 60 que o feminismo negro ganha força no mundo. No Brasil não ocorreu diferente. Lélia Gonzales, Sueli Carneiro e Luiza Barros são algumas das principais intelectuais brasileiras negras fundamentais nessa construção do pensamento feminista e negro. Pena que desconhecia a literatura destas pensadoras até aqui. Elas contribuíram muito com a formação do pensamento negro em nosso país. Fora do Brasil, nos Estados Unidos destacam-se as pensadoras Angela Davis (imagem 2), Kimberlé Crenshaw e Patricia Hill Collins.

Imagem 2: Angela Davis segura um cartaz com a foto de Marielle Franco e com os dizeres "Marielle Presente". 2018. Foto: Jamile Pinheiro.

    Além das referências de preparação para a aula e debate. Enriqueceu-me muito também a participação de uma convidada especial, a professora da Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) e doutora em letras Eliane Gonçalves da Costa. Durante 1 hora a pesquisadora expôs outros pontos que se interseccionam. A palestrante abordou temas como o racismo linguístico, perpassando pelo feminismo negro brasileiro, o que é lugar de fala, e claro, o conceito de interseccionalidade. Alguns colegas da turma também contribuíram com o debate propondo questões à convidada, como também relatos de experiências. Foi uma ótima e construtiva noite.

    No fim da apresentação questionei à professora Eliane Costa qual o grau de conhecimento e participação da sociedade sobre a interseccionalidade, bem como a indaguei também quais as perspectivas deste movimento daqui para o futuro, visto o avanço da sociedade e dos movimento em rede, novo paradigma das relações sociais contemporâneas (veja o tema da cibercultura em postagem anterior neste marcador). As respostam foram consistentes e complementares à apresentação. Talvez em uma futura postagem com outras reflexões sobre o tema descreva a respostas. Até lá não deixe de ler outras postagens no blog.

    Portanto, A Interseccionalidade é um assunto, penso, que em resistência tem bradado "presente!". Assim como hoje muitas pessoas gritam em resistência à morte de Marielle que seu legado vive, ou seja, "Marielle Presente!", a interseccionalidade é um grito de "presente!" em tom alto e forte de mulheres negras na sociedade atual, sejam feministas negras intelectuais ou não. Como simpático a qualquer causa pacífica em defesa de direitos, desejo grandemente que o movimento interseccionalista atinja a sociedade em geral e que, sobretudo, consiga chegar nas milhares de mulheres nas periferias do Brasil, bem como em outras minorias. O importante é nunca desistir.

    Sapere audeAté a próxima postagem.


Referências👇👀

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo, SP: Sueli Carneiro; Pólen. Feminismos Plurais. Coordenação Djamila Ribeiro. 152 pp., 2019. [recurso eletrônico/PDF]. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/1154/o/Interseccionalidade_(Feminismos_Plurais)_-_Carla_Akotirene.pdf?1599239359 Acesso em: 31/07/2021, 20h 05 min.

MORAES, Eunice Lea de; SILVA, Lucia Isabel Conceição da. Feminismo Negro e Interseccionalidade de Raça, Gênero e Classe. In.: Cadernos de Estudos Sociais e Políticos. Rio de Janeiro, v. 7, n° 13, p. 58 - 75, 2017. [recurso eletrônico/PDF]. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/CESP/article/view/32989 Acesso em: 31/07/2021, 19h 48 min.

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