Num estilo interdisciplinar e rico em ideias, este blog tem por objetivo refletir sobre assuntos e questões em voga na sociedade atual, bem como compartilhar experiências pessoais e acadêmicas que possam enriquecer a coletividade.
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Espetáculo.Segundo o dicionário, aquilo que chama atenção e nos prende o olhar; aquilo que cativa, fascina, seduz, atrai... Como afirma taxativamente o filósofo e escritor marxista francês Guy Debord (1931-1994) (Imagem 1) em sua obra "A sociedade do espetáculo" (2003) (La société du spectacle, originalmente) vivemos em uma sociedade espetacular. Espetacular não no sentido de grandiosidade e beleza, mas numa perspectiva midiática dessa sociedade. Para Debord, a espetacularização da sociedade se dá no uso das relações interpessoais (com seus aspectos positivos e negativos) no acumulo e uso da imagem como o fim de obter, sobre essa espetacularização, lucro.
O intuito central da obra de Debord é analisar a sociedade de sua época e trazer reflexões sobre a espetacularização das imagem em si. Imagem no aspecto dos atributos e significados que atribuímos a algo, não a imagem percebida pelos sentidos. Antes da espetacularização dávamos valor à coisa, ao verdadeiro, ao real, ao ser; na sociedade do espetáculo houve uma inversão: a imagem, o falso, a imitação e o visual sobressai. Nesse acúmulo de inversão, à coisa supérflua e passageira são atribuídas mais valor.
[...] O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo. [...] O espetáculo não é uma conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, midiatizada por imagens. [...] No mundo realmente invertido o verdadeiro é um momento do falso (DEBORD, 2003, p. 14,16).
Imagem 1: Guy Debord. Imagem Google/desconhecida.
Imagem 2: Capa do livro "A sociedade do espetáculo". Guy Debord, 2003. Imagem Amazon/reprodução.
A espetacularização se executa no consumo de entretenimento pela massa da sociedade. Esse consumo pode ser em forma de propaganda ou informações, que podem ser veiculadas em diferentes meios onde a imagem é utilizadas como "show", espetáculo. Exemplos não faltam, basta observamos as imagens televisionadas. Nos reality shows, somos apresentados a um mundo supostamente autêntico; nos programas policiais somos expostos a barbáries, muitas das quais são transformadas em shows sensacionalistas; nas telenovelas e no futebol (os futebolistas, na verdade, também são artistas) encontramo-nos fascinados e ansiosos pelos próximos capítulos ou rodadas etc. em que o fim é prender a atenção e nos inundar com propagandas. Na sociedade dos espetáculos, o espectador é o produto.
Essa espetacularização parece, para mim, verdadeiros assombros. Assombro no aspecto de causar espanto ou admiração. Nesse sentido, na espetacularização da sociedade cambem os dois termos. Ao mesmo tempo que me causa espanto em saber que somos feitos de produtos pelas mídias e num extremo sermos até manipulados (casos das mídias sociais, por exemplo), percebo que de certo modo temos uma admiração, mas no entendimento de sermos iludidos, aficionados. E isso não admitimos existência, outrora, pelo menos, não criticávamos.
Na sociedade do espetáculo, onde também é a sociedade do consumo, parece que estamos como diria o escritor português José Saramago (1922-2010) (imagem 3) em seu romance "Ensaio sobre a cegueira" (1995), infectados por uma "cegueira branca", a qual está espalhada por toda a sociedade.
Imagem 3: José Saramago. Imagem Google/desconhecida.
O que me assusta na sociedade do espetáculo é o que se pode fazer contra a sociedade para manter ou aumentar os espetáculos. Daí vem uma questão ética: até onde pode ir o ser humano com seu espetáculo? de que é capaz?. Para Debord, já saímos do momento do ser para o ter e estamos no parecer, as aparências valem mais (p. 17).
No romance de Saramago apenas uma pessoa conseguia ainda enxergar durante a história, ver o mundo e outras pessoas. Quem consegue enxergar, hoje, na sociedade do espetáculo? Quem consegue ter a lucidez de tirar os "óculos 3D"? Há esperança e melhora para nossa sociedade?
Para concluir, compartilho com vocês o clip de uma música para pensarmos um pouco. Gentileza é o título da canção, também é uma palavra que está tão banalizada mas que ainda é fundamental praticarmos hoje. É tempo para gentilezas. Há sempre tempo para o conhecimento.
Vídeo: Clip da música "Gentileza". Marisa Monte, 2000. Canal YouTube.
Referências👇👀
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. 2003. Coletivo Periferia: São Paulo, 169 pp. [Recurso eletônico/versão exclusiva em Ebook]. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/debord/1967/11/sociedade.pdfAcesso em: 10/07/2021, 11h 04 min.
SARAMAGO, José. Ensaio Sobre a Cegueira. 1° edição. 312 pp. Companhia das Letras: São Paulo, 1995.
[Música] Gentileza. Composição e interpretação: Marisa Monte. 2000. Álbum: Memórias, crônicas e declarações de amor. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mpDHQVhyUrYAcesso em: 10/07/2021, 11h 52 min.
Reflexões brilhantes, Antonio Marcos.
ResponderExcluirGrato pelo elogio.
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