Minorias no mundo atual: A questão dos migrantes e o caso Moïse
RIBEIRO, Gustavo Lins. Cidadania e minorias no mundo globalizado. In: LIMA, Antônio
Carlos de Souza. Antropologia e Direito. Brasília: Associação Brasileira de Antropologia; Rio
de Janeiro: LACED; Blumenau-SC: Nova Letra. 2012. p. 219-226. Disponível em:<http://laced4.hospedagemdesites.ws/wp-content/uploads/2020/02/ANTROPOLOGIA-E-DIREITO_2012.pdf>
Pensar nas minorias e na cidadania no contexto atual do mundo globalizado é refletir sobre uma temática que é sensível, desafiadora e indispensável. Entre outros motivos, na segunda metade do último século — com o advento da globalização e do capitalismo flexível — as questões das minorias ganharam grande visibilidade. Em especial nos últimos anos os debates acerca do assunto têm chamado grande atenção no âmbito internacional, especialmente com as questões de migrações (Europa e América do Sul) e controle de fronteiras (Estados Unidos), por exemplo.
Em seu texto intitulado “Cidadania e minorias no mundo globalizado” (2012), o antropólogo Gustavo Lins Ribeiro dialoga sobre a realidade presente e perspectivas futuras de migrantes e demais minorias no mundo atual globalizado. O ensaio de Ribeiro é curto, subdivide-se em cinco tópicos bem objetivos. Entretanto, antes de continuarmos a análise é preciso conceituar o termo ‘minorias’, e é justamente o que faz o autor no primeiro tópico.
As minorias, portanto, são determinados grupos ou coletivos que social e historicamente — mesmo sendo maior em número — possuem nenhum ou poucos direitos reconhecidos por certa sociedade (podemos expandir também em não reconhecidos pelo poder do Estado-nação em que certo grupo se encontra). O autor afirma que “O que está em jogo nesse contexto são relações de poder e não quantidades” (p. 219), ou seja, certo grupo (étnico, migrante etc.) foi tido sempre, durante a história, como inferior e desigual. É a partir dessa “consciência” que as minorias vão em busca de conquistar seu próprio “espaço-cidadão” no mundo, completa o autor.
No segundo tópico, Gustavo Ribeiro aborda as novas questões sobre o futuro da cidadania no mundo atual globalizado em que surge a necessidade de se pensar numa cidadania global, isto é, numa cidadania global-transnacional de direitos. Desse modo, elenca três cenários para se pensar sobre uma possível nova sociedade civil global: pelas experiências dos transmigrantes, da comunidade transnacional virtual no ciberespaço e dos movimentos antiglobalização.
Ao abordar a experiências dos transmigrantes à extensão de direitos supranacionais (que ultrapassa os diferentes Estados-nações, o internacional e o multinacional) Ribeiro identifica alguns problemas vivenciados por tais sujeitos. Num mundo com alto fluxo de informações, mercadorias e trabalhadores, o autor discursa sobre as barreiras à migração. O primeiro diz respeito à dificuldade do Estado-nação em controlar os impactos da diversidade étnica e cultural sobre a unidade nacional; o segundo, sobre as dificuldades dos Estados em lidar com os fluxos e a reprodução econômica.
Infelizmente no período que escrevo este texto o Brasil se choca com a morte brutal do jovem congolês Moïse Kabagambe [1] , de 24 anos. Fugitivo dos conflitos que assolam seu país, o 1 congolês foi morto com brutal agressão no dia 24 de janeiro, num quiosque da Barra da Tijuca — zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, em que cobrava suas diárias de trabalho atrasadas. No caso do Brasil, o fluxo migratório atual tem se tornado intenso na última década.
A exemplo, temos o caso de venezuelanos (para o norte do país) e de pessoas vindas do continente africano (para o sudeste, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo). A maioria desses migrantes que vêm de países africanos, vivem na informalidade para obter subsistência. Mesmo pessoas com formação em seu país de origem encontram dificuldades para trabalhar. O que tem que ver com as dificuldades que os Estados-nações têm ao lidarem com os fluxos dos migrantes em seus territórios e a reprodução econômica.
É lamentável pensar que muitas pessoas se encontram sem cidadania hoje, “sem um Estado para os abrigar”, “um não cidadão” (p. 222). Uma pessoa que em seu país de origem não possui direitos e, após migrar para o país também não encontra direitos e garantias nessa nova terra, a situação é desoladora. No Rio de Janeiro, por exemplo, muitos imigrantes africanos acabam tendo que se refugiar nas periferias, além de terem que conviver com o preconceito racial e a xenofobia.
No caso do jovem Moïse, ele e sua família são refugiados políticos no Brasil, fugitivos da fome e da guerra. Assim como muitos imigrantes no Brasil de diversas nacionalidades, o medo, a dor e a esperança são constantes companhias numa terra estranha. Como disse o autor, “[...] os migrantes permanecem sendo, em face dos interesses dos empregadores, fonte de acumulação primitiva de capital.” (p. 222).
O problema se torna uma questão de inclusão democrática e cidadã desses migrantes, é preciso haver uma inclusão que ultrapasse o social. Assim, pensar numa comunidade internacional, binacional, tem que pensar numa nova estrutura política e cidadã mundial. O que não é fácil com a crescente onda antimigração e antiglobalização ao redor do mundo. Talvez essa ideia seja até uma utopia. Na prática será e é muito difícil se concretizar.
No quarto tópico o autor trata sobre a comunidade civil transnacional imaginada, isto é, a criação de um espaço público virtual, formado pelas redes de internet e marcado pela intensa atividade política. A internet seria um meio para aproximar as ideias e as pessoas nesse processo de melhoria e integração transnacional de migrantes. Soma-se a isto a rapidez das informações e a ativismo político que se potencializa nesses espaços virtuais.
No último tópico intitulado “Questões finais”, Ribeiro traz algumas reflexões sobre o assunto em discussão. Como pensar numa cidadania global, se não há um estado global? É possível pensar numa cidadania civil global? Ao longo do texto o escritor tece, ainda, outra pergunta fundamental: “Quem defende esse não cidadão e luta por sua inclusão [e cidadania]?” (p. 222).
O futuro de uma convivência pacífica entre migrantes e nações só será possível quando houver uma efetiva inclusão política, democrática e de direitos, devendo haver, inclusive, a participação das nações, especialmente as mais desenvolvidas e em desenvolvimentos nesse processo, o que é imprescindível. O caso do jovem congolês Moïse Kabagambe ocorrido no Brasil é um alerta nacional às questões de migração no país. A garantia de direitos humanos e constitucionais, bem como a proporção de boas condições de vida e trabalho é uma questão humanitária e reflete a “essência de uma nação”. Discriminção, racismo e xenofobia não podem ter ver nas relações humanas.
Com uma escrita bem coesa e com um conteúdo interessante, Gustavo Lins Ribeiro nos apresenta um tema fundamental para este século e que todos devem tomar conhecimento. O texto aqui resenhado é imprescindível a todos os profissionais e estudantes das áreas de ciências humanas e sociais, sobretudo Direito e Relações Internacionais. Outrossim, o texto de Ribeiro é necessário. É necessário pois nos dá visão a um assunto pouco discutido no Brasil. O texto nos instiga a pensar (concordar ou não) sobre a possibilidade de uma sociedade mais justa e solidária no mundo atual.
Referência👇
[1] Caso Moïse: imprensa internacional cita 'debate sobre xenofobia' após assassinato de
congolês no Brasil. 03 de fevereiro de 2022. BBC News Brasil. Disponível em:<https://www.bbc.com/portuguese/media-60252088>
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