O anti-indigenismo e o epistemicídio indígena: a fajuta tese do marco temporal
KAIAPÓ, Edson. Guerras Injustas. II Ciclo de Encontros em História do Direito. 16/08/2022. UFSB, Porto Seguro, BA. Palestra transmitida via Google Meet.
O professor e doutor em educação Edson Kaiapó na noite de terça-feira, 16 de setembro, nos contemplou com uma palestra em que foram discutidas diferentes questões indígenas do passado e atuais. Intitulada “Guerras Injustas”, o professor iniciou seu discurso traçando um panorama histórico dos povos indígenas no Brasil desde o final do século XV (com a conquista das Américas e a bula papal), perpassando pelos séculos XIX (Independência nacional e o romantismo literário) e XX (Ditadura militar, Funai e Incra, redemocratização e Constituição de 1988).
As ‘guerras justas’, originadas no século XV, não significam que as perseguições e as aniquilações indígenas ao longo dos séculos são éticas, mas sim que para as pessoas que pregam/pregavam guerra, o apagamento da cultura e tradição indígenas eram tidas como “missões civilizadoras”. E por meio da lei, as guerras se tornaram “legais”, justas. Essa ideia infelizmente cria também a escravização de povos africanos mais a frente, que são trazidos à América.
Sempre, mas ainda hoje agravado ainda mais no contexto da pandemia de covid-19, nas palavras de Kaiapó “os povos indígenas vivem num contexto anti-indigenista e com políticas genocidas”. É um “ódio histórico” do período colonial português que é reproduzido de diferentes formas hoje. Vamos tomar como exemplo um embate jurídico atual, o “marco temporal sobre terras indígenas”, tese que está em discussão no Supremo Tribunal Federal.
De acordo com a tese, os povos indígenas só podem reivindicar a demarcação das terras que já ocupavam antes da Constituição de 1988. Tais discussões colocam os povos rurais e indígenas em lados opostos. O marco temporal também irá facilitar que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, possam ser privatizadas e comercializadas, o que é de interesse ruralista.
Há um projeto em andamento na Câmara dos Deputados que tenta tornar a tese do marco em lei. Trata-se do projeto de lei nº 490/2007, que diz que somente aquelas terras ocupadas antes de 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição) deveriam ser terras consideradas dos antepassados indígenas. A delimitação de terras indígenas é um direito constitucional, que estabeleceu os “direitos originários” dos povos indígenas às suas terras ancestrais.
Isso significa que a lei os considera os primeiros e naturais proprietários do território, e a União é obrigada a demarcar todas as terras originalmente ocupadas por esses povos. Se o argumento do marco for aceito pelo STF, os povos indígenas podem ser expulsos de suas terras ocupadas se não puder ser comprovado que estavam lá antes de 1988. Mas como comprovar? Eis uma das perguntas cabais e de certo modo irônica.
Ao longo de toda a palestra o professor nos trazia indicações de obras e autores, bem como citações. Três relatos de incidentes pessoais contados pelo professor impactaram os ouvintes. Desse modo, encerro com uma frase dita pelo professor e doutor Kaiapó, os “indígenas não querem guerra”. No fim do evento ainda houve discussões finais e rodada de perguntas e respostas. Uma noite inesquecível de aprendizado com quem vive na pele as questões indígenas no país.
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